..no meu país..
quarta-feira, 30 de dezembro de 2009
domingo, 27 de dezembro de 2009
BEIJASTE-ME
Beijaste-me
com tal espontaneidade
quando me viste,
que eu pensei então
e até aposto
que a verdadeira amizade,
ainda existe.
É a que tem, na voz, o coração
e que, tendo-a também no rosto,
como tu tinhas,
por isso, fizeste mais:
sorriste!
António Alves Seara in" Um Rio Chamado Ilusão"
com tal espontaneidade
quando me viste,
que eu pensei então
e até aposto
que a verdadeira amizade,
ainda existe.
É a que tem, na voz, o coração
e que, tendo-a também no rosto,
como tu tinhas,
por isso, fizeste mais:
sorriste!
António Alves Seara in" Um Rio Chamado Ilusão"
segunda-feira, 21 de dezembro de 2009
Horas Rubras
Horas profundas, lentas e caladas
Feitas de beijos sensuais e ardentes,
De noites de volúpia, noites quentes
Onde há risos de virgens desmaiadas...
Ouço as olaias rindo desgrenhadas...
Tombam astros em fogo, astros dementes.
E do luar os beijos languescentes
São pedaços de prata p’las estradas...
Os meus lábios são brancos como lagos...
Os meus braços são leves como afagos,
Vestiu-os o luar de sedas puras...
Sou chama e neve branca misteriosa...
E sou talvez, na noite voluptuosa,
Ó meu Poeta, o beijo que procuras !
Florbela Espanca
Feitas de beijos sensuais e ardentes,
De noites de volúpia, noites quentes
Onde há risos de virgens desmaiadas...
Ouço as olaias rindo desgrenhadas...
Tombam astros em fogo, astros dementes.
E do luar os beijos languescentes
São pedaços de prata p’las estradas...
Os meus lábios são brancos como lagos...
Os meus braços são leves como afagos,
Vestiu-os o luar de sedas puras...
Sou chama e neve branca misteriosa...
E sou talvez, na noite voluptuosa,
Ó meu Poeta, o beijo que procuras !
Florbela Espanca
sábado, 19 de dezembro de 2009
sexta-feira, 18 de dezembro de 2009
ENTARDECER
Não sei bem porquê,
mas hoje o sol era verde!
encheu-se, talvez,
do verde dos lagos,
do verde dos rios
e das árvores.
E a tarde ficou verde
e silente.
Era mesmo uma tarde ausente
de pecado e dor.
E, porque o sol era verde,
cada criança,
cada ser em flor,
sentiam que era chegada
a hora desejada
da esperança e do amor!
Era, eu bem sei,
a hora em que sonhei
que iria começar
um mundo melhor!
Verde era até
o fumo de cada chaminé.
Tudo, afinal,
porque, nesta tarde
de tão bela claridade,
e calma,
verde era, na verdade,
o que viam os olhos
da minha alma!
António Alves Seara in Um Rio Chamado Ilusão
mas hoje o sol era verde!
encheu-se, talvez,
do verde dos lagos,
do verde dos rios
e das árvores.
E a tarde ficou verde
e silente.
Era mesmo uma tarde ausente
de pecado e dor.
E, porque o sol era verde,
cada criança,
cada ser em flor,
sentiam que era chegada
a hora desejada
da esperança e do amor!
Era, eu bem sei,
a hora em que sonhei
que iria começar
um mundo melhor!
Verde era até
o fumo de cada chaminé.
Tudo, afinal,
porque, nesta tarde
de tão bela claridade,
e calma,
verde era, na verdade,
o que viam os olhos
da minha alma!
António Alves Seara in Um Rio Chamado Ilusão
terça-feira, 15 de dezembro de 2009
AMIGO
Mal nos conhecemos
Inaugurámos a palavra amigo!
" Amigo" é um sorriso
De boca em boca,
Um olhar bem limpo,
Uma casa, mesmo modesta, que se oferece,
Um coração pronto a pulsar
Na nossa mão!
" Amigo" (recordam-se, vocês aí,
Escrupulosos detritos?)
" Amigo" é o contrário de inimigo!
" Amigo" é o erro corrigido
Não o erro perseguido, explorado,
É a verdade partilhada, praticada!
" Amigo" é a solidão derrotada!
" Amigo" é uma grande tarefa,
É um trabalho sem fim
Um espaço sem fim,
Um espaço útil, um tempo fértil,
" Amigo" vai ser, é já uma grande festa!
Alexandre O'Neill, No Reino da Dinamarca
Inaugurámos a palavra amigo!
" Amigo" é um sorriso
De boca em boca,
Um olhar bem limpo,
Uma casa, mesmo modesta, que se oferece,
Um coração pronto a pulsar
Na nossa mão!
" Amigo" (recordam-se, vocês aí,
Escrupulosos detritos?)
" Amigo" é o contrário de inimigo!
" Amigo" é o erro corrigido
Não o erro perseguido, explorado,
É a verdade partilhada, praticada!
" Amigo" é a solidão derrotada!
" Amigo" é uma grande tarefa,
É um trabalho sem fim
Um espaço sem fim,
Um espaço útil, um tempo fértil,
" Amigo" vai ser, é já uma grande festa!
Alexandre O'Neill, No Reino da Dinamarca
sexta-feira, 11 de dezembro de 2009
quinta-feira, 10 de dezembro de 2009
quarta-feira, 9 de dezembro de 2009
Poesia
Deixa-me dormir
quando
morre a noite.
Assim o amor
será absoluto
sacrifício
impassível sangue
árido prazer.
Deixa-me dormir
quando
morre a noite.
Assim o amor
guardará
uma grega ilusão
de sonho
e embriaguez.
Deixa-me dormir
quando
morre a noite.
Assim o amor
terá merecido
a dor, veloz,
insustentável
e imoderada.
Deixa-me dormir
quando
morre a noite.
Assim o amor
dir-nos-á
sois abandonados
cristos
na boca de deus.
Ana Marques Gastão
quando
morre a noite.
Assim o amor
será absoluto
sacrifício
impassível sangue
árido prazer.
Deixa-me dormir
quando
morre a noite.
Assim o amor
guardará
uma grega ilusão
de sonho
e embriaguez.
Deixa-me dormir
quando
morre a noite.
Assim o amor
terá merecido
a dor, veloz,
insustentável
e imoderada.
Deixa-me dormir
quando
morre a noite.
Assim o amor
dir-nos-á
sois abandonados
cristos
na boca de deus.
Ana Marques Gastão
domingo, 6 de dezembro de 2009
Arte
Hoje podia dizer-te mais.
Podia dizer-te que não adianta fingir,
Porque não vou a parte alguma do mundo.
Fico aqui, assim,
No mesmo lugar onde me encontraste,
Na espera em que me deixaste.
Estou aqui,
A segurar tua mão,
A passar a minha pela tua testa,
A vigiar-te a sesta.
Amparo-te a queda,
Empolo-te a vitória.
Mas, daqui não parto.
Porque nada saberia fazer melhor
Do que amar-te.
Essa é a minha arte.
Margarida Damião Ferreira
Podia dizer-te que não adianta fingir,
Porque não vou a parte alguma do mundo.
Fico aqui, assim,
No mesmo lugar onde me encontraste,
Na espera em que me deixaste.
Estou aqui,
A segurar tua mão,
A passar a minha pela tua testa,
A vigiar-te a sesta.
Amparo-te a queda,
Empolo-te a vitória.
Mas, daqui não parto.
Porque nada saberia fazer melhor
Do que amar-te.
Essa é a minha arte.
Margarida Damião Ferreira
quinta-feira, 3 de dezembro de 2009
quarta-feira, 2 de dezembro de 2009
Poesia
Quanto, quanto me queres?-perguntaste
Numa voz de lamento diluída;
E quando nos meus olhos demoraste
A luz dos teus senti a luz da vida.
Nas tuas mãos as minhas apertaste;
Lá fora da luz do Sol já combalida
Era um sorriso aberto num contraste
Com a sombra da posse proibida...
Beijá-mo-nos, então, a latejar
No infinito e pálido vaivém
Dos corpos que se entregam sem pensar...
Não perguntes, não sei-não sei dizer:
Um grande amor só se avalia bem
Depois de se perder.
António Botto
Numa voz de lamento diluída;
E quando nos meus olhos demoraste
A luz dos teus senti a luz da vida.
Nas tuas mãos as minhas apertaste;
Lá fora da luz do Sol já combalida
Era um sorriso aberto num contraste
Com a sombra da posse proibida...
Beijá-mo-nos, então, a latejar
Dos corpos que se entregam sem pensar...
Não perguntes, não sei-não sei dizer:
Um grande amor só se avalia bem
Depois de se perder.
António Botto
terça-feira, 1 de dezembro de 2009
segunda-feira, 30 de novembro de 2009
Poesia
UMA CONSTANTE DA VIDA
Errámos junto
à História: devíamos
pegar em foices e enxadas
e destruir mil campos
de pensar:
computadores, ogivas nucleares,
assentos petrolíferos e mais:
centrais de mil cisões
(e, já agora, aquele pequeníssimo
sonar)
Errámos pela
História: enquanto tempo,
devíamos pegar nas foices,
nas enxadas.
E nos anéis das fadas
plantar outras sementes: bombas
despoletadas, ferrugentas,
que dessem trigo e paz
Errámos nas histórias
de encantar:
um lobo freudiano, um capuchinho,
um osso pela grade
da prisão.
Voltaram as sereias
sentadas no olhar em devoção
(sem nunca terem nem sequer
partido)
E seduz-nos ainda
esse cantar.)
Errámos sem saber
que o seu vagar é tal
que o sonho, cedo ou tarde,
se fará.
Que ao lado da cisão: a catedral
e ao lado do vitral: irracional
razão
A história junto
à História,
a enxada quebrada
pelo chão
Ana Luísa Amaral
Errámos junto
à História: devíamos
pegar em foices e enxadas
e destruir mil campos
de pensar:
computadores, ogivas nucleares,
assentos petrolíferos e mais:
centrais de mil cisões
(e, já agora, aquele pequeníssimo
sonar)
Errámos pela
História: enquanto tempo,
devíamos pegar nas foices,
nas enxadas.
E nos anéis das fadas
plantar outras sementes: bombas
despoletadas, ferrugentas,
que dessem trigo e paz
Errámos nas histórias
de encantar:
um lobo freudiano, um capuchinho,
um osso pela grade
da prisão.
Voltaram as sereias
sentadas no olhar em devoção
(sem nunca terem nem sequer
partido)
E seduz-nos ainda
esse cantar.)
Errámos sem saber
que o seu vagar é tal
que o sonho, cedo ou tarde,
se fará.
Que ao lado da cisão: a catedral
e ao lado do vitral: irracional
razão
A história junto
à História,
a enxada quebrada
pelo chão
Ana Luísa Amaral
sexta-feira, 27 de novembro de 2009
Poesia
SONETO MAIS QUE SONETO
Enquanto é só razão, sei que consigo
Salvaguardar-me lúcida e pensada.
Mas mal te tento reorganizar
Numa memória nova ou recriada,
Retorno ao ponto zero em que me estás:
Soneto dos sonetos mais antigos:
Numa normal conversa com fantasmas
Como aos fantasmas de velhos amigos.
Sonho-te, cerebral e por vontade,
Palavra de influências libertada,
Mais que neologismo no meu canto.
Dou-te voltas e dobras racionais,
Trato-to como trato os meus papéis
-Mas só me vêm métricas cruéis.
E desalinho ao desejar-te tanto
(ou «Desafino ao desejar-te tanto?»)
Ana Luísa Amaral-Se fosse um intervalo
de Ruyman78
Enquanto é só razão, sei que consigo
Salvaguardar-me lúcida e pensada.
Mas mal te tento reorganizar
Numa memória nova ou recriada,
Retorno ao ponto zero em que me estás:
Soneto dos sonetos mais antigos:
Numa normal conversa com fantasmas
Como aos fantasmas de velhos amigos.
Sonho-te, cerebral e por vontade,
Palavra de influências libertada,
Mais que neologismo no meu canto.
Dou-te voltas e dobras racionais,
Trato-to como trato os meus papéis
-Mas só me vêm métricas cruéis.
E desalinho ao desejar-te tanto
(ou «Desafino ao desejar-te tanto?»)
Ana Luísa Amaral-Se fosse um intervalo
de Ruyman78
segunda-feira, 23 de novembro de 2009
Poesia no feminino
Depoimento
Eis que desço
as mãos
os dedos nus
Eis que empunho
o vidro
pela face
Eis que te utilizo
e te
destruo
Eis que te construo
e te
desfaço
Eis o gume novo
desta
pedra
Eis a faca aberta
na
manhã
as árvores
ocultas
nas palavras
o couro-a violência
o trilho
a lã
Eis o linho bordado
numa cama
a linha na fímbria
da toalha
o fuso-o feltro
o fundo da memória
Eis a água
dita
como vã
depostos objectos
de batalha:
a tenda
a espada
a sela
a sede
a vela
Eis que deponho
aquilo
que me ganha
e que retomo
a seda com que visto
a faca da sede
com que rasgo
o rigor da calma
o rigor das pernas
o rigor dos seios
quando minto
Maria Teresa Horta
Eis que desço
as mãos
os dedos nus
Eis que empunho
o vidro
pela face
Eis que te utilizo
e te
destruo
Eis que te construo
e te
desfaço
Eis o gume novo
desta
pedra
Eis a faca aberta
na
manhã
as árvores
ocultas
nas palavras
o couro-a violência
o trilho
a lã
Eis o linho bordado
numa cama
a linha na fímbria
da toalha
o fuso-o feltro
o fundo da memória
Eis a água
dita
como vã
depostos objectos
de batalha:
a tenda
a espada
a sela
a sede
a vela
Eis que deponho
aquilo
que me ganha
e que retomo
a seda com que visto
a faca da sede
com que rasgo
o rigor da calma
o rigor das pernas
o rigor dos seios
quando minto
Maria Teresa Horta
sábado, 21 de novembro de 2009
quarta-feira, 18 de novembro de 2009
Antoni Gaudí
As obras de Antoni Gaudí são sete monumentos situados em Barcelona, desenhados pelo arquitecto Antoni Gaudí no final do século XIX e início do século XX. O Parque Güell, o Palácio Güell e a Casa Milà foram declarados Património Mundial pela UNESCO em 1984 e os restantes monumentos em 2005.
A Catedral da Sagrada Família, cuja construção começou em 1883, ainda não está terminada. A fachada da natividade completou-se em 1935.
Ponho nestas memórias
a íntima clandestinidade
dos amantes.
Hei-de dizer o nome
de quantas aves se perderam
por roçarem o vazio da noite
em vagaroso voo.
Hei-de ocultar a cara
próximo de uma fonte,
Para colar a boca
ao trilho das chuvas.
Hei-de cercar com águas
nocturnas o lume dos seios.
Depois, sei que vou estremecer de aflição,
quando o ranger das portas se confundir
com o chamamento da tristeza.
Graça Pires
a íntima clandestinidade
dos amantes.
Hei-de dizer o nome
de quantas aves se perderam
por roçarem o vazio da noite
em vagaroso voo.
Hei-de ocultar a cara
próximo de uma fonte,
Para colar a boca
ao trilho das chuvas.
Hei-de cercar com águas
nocturnas o lume dos seios.
Depois, sei que vou estremecer de aflição,
quando o ranger das portas se confundir
com o chamamento da tristeza.
Graça Pires
segunda-feira, 16 de novembro de 2009
domingo, 15 de novembro de 2009
quinta-feira, 12 de novembro de 2009
quarta-feira, 11 de novembro de 2009
Poesia
Com as árvores e com as águas
partilho os meus pensamentos.
Manuseio estas palavras
como se fossem minhas
para as usar como protesto,
como absolvição: a boca
devorando a própria fome.
Aguardo um sinal que decifre
o nomadismo da memória
e rompa a cumplicidade do tempo.
Graça Pires
partilho os meus pensamentos.
Manuseio estas palavras
como se fossem minhas
para as usar como protesto,
como absolvição: a boca
devorando a própria fome.
Aguardo um sinal que decifre
o nomadismo da memória
e rompa a cumplicidade do tempo.
Graça Pires
segunda-feira, 9 de novembro de 2009
The Impossible Dream
SONHO IMPOSSÍVEL
Sonhar
Mais um sonho impossível
Lutar
Quando é fácil ceder
Vencer o inimigo invencível
Negar quando a regra é vender
Sofrer a tortura implacável
Romper a incabível prisão
Voar num limite improvável
Tocar o inacessível chão
É minha lei, é minha questão
Virar esse mundo
Cravar esse chão
Não me importa saber
Se é terrível demais
Quantas guerras terei que vencer
Por um pouco de paz
E amanhã, se esse chão que eu beijei
For meu leito e perdão
Vou saber que valeu delirar
E morrer de paixão
E assim, seja lá como for
Vai ter fim a infinita aflição
E o mundo vai ver uma flor
Brotar do impossível chão
Chico Buarque e Ruy Guerra
Versão para português da canção " The Impossible Dream", do musical " Man of La Mancha ", baseado na obra de Cervantes.
Foto da internet
Sonhar
Mais um sonho impossível
Lutar
Quando é fácil ceder
Vencer o inimigo invencível
Negar quando a regra é vender
Sofrer a tortura implacável
Romper a incabível prisão
Voar num limite improvável
Tocar o inacessível chão
É minha lei, é minha questão
Virar esse mundo
Cravar esse chão
Não me importa saber
Se é terrível demais
Quantas guerras terei que vencer
Por um pouco de paz
E amanhã, se esse chão que eu beijei
For meu leito e perdão
Vou saber que valeu delirar
E morrer de paixão
E assim, seja lá como for
Vai ter fim a infinita aflição
E o mundo vai ver uma flor
Brotar do impossível chão
Chico Buarque e Ruy Guerra
Versão para português da canção " The Impossible Dream", do musical " Man of La Mancha ", baseado na obra de Cervantes.
Foto da internet
sexta-feira, 6 de novembro de 2009
quarta-feira, 4 de novembro de 2009
Poesia no feminino
Chamamento
Da margem do sonho
e do outro lado do mar
alguém me estremece
sem me alcançar.
Um bafo de desejo
chega, vago, até mim.
Perfume delido
de impossível jasmim.
É ele que me sonha?
Sou eu a sonhar?
Sabê-lo seria
desfazer, no vento,
tranças de luar.
Nuvens,
barcos,
espumas
desmancham-se na noite.
E a vida lateja, longe,
num outro lugar.
Luísa Dacosta
Da margem do sonho
e do outro lado do mar
alguém me estremece
sem me alcançar.
Um bafo de desejo
chega, vago, até mim.
Perfume delido
de impossível jasmim.
É ele que me sonha?
Sou eu a sonhar?
Sabê-lo seria
desfazer, no vento,
tranças de luar.
Nuvens,
barcos,
espumas
desmancham-se na noite.
E a vida lateja, longe,
num outro lugar.
Luísa Dacosta
segunda-feira, 2 de novembro de 2009
Poesia
Quando os teus olhos absorvem
todas as cores da minha
mais íntima tristeza,
e compreendes e calas e prometes
um lugar qualquer na tua alma,
e a tua voz demora a regressar
ao neutro compromisso das palavras,
Sei que as tuas mãos ajudariam
a limpar estas lágrimas antigas
por dentro do meu rosto.
Victor Matos e Sá
sábado, 31 de outubro de 2009
Poesia
Supremo Enleio
Quanta mulher no teu passado, quanta!
Tanta sombra em redor! Mas que me importa?
Se delas veio o sonho que conforta,
A sua vinda foi três vezes santa!
Erva do chão que a mão de Deus levanta,
Folhas murchas de rojo à tua porta...
Quando eu for uma pobre coisa morta,
Quanta mulher ainda! Quanta! Quanta!
Mas eu sou a manhã: apago estrelas!
Hás de ver-me, beijar-me em todas elas,
Mesmo na boca da que for mais linda!
E quando a derradeira, enfim, vier,
Nesse corpo vibrante de mulher
Será o meu que hás de encontrar ainda...
Florbela Espanca
Quanta mulher no teu passado, quanta!
Tanta sombra em redor! Mas que me importa?
Se delas veio o sonho que conforta,
A sua vinda foi três vezes santa!
Erva do chão que a mão de Deus levanta,
Folhas murchas de rojo à tua porta...
Quando eu for uma pobre coisa morta,
Quanta mulher ainda! Quanta! Quanta!
Mas eu sou a manhã: apago estrelas!
Hás de ver-me, beijar-me em todas elas,
Mesmo na boca da que for mais linda!
E quando a derradeira, enfim, vier,
Nesse corpo vibrante de mulher
Será o meu que hás de encontrar ainda...
Florbela Espanca
quinta-feira, 29 de outubro de 2009
Poesia no feminino
CORAÇÃO PARTIDO
Dizer da paixão mais do que o sangue
mais do que o fogo
trazido ao coração
Mais do que o golpe furtivo já ardendo
revolvendo na seda
a ponta de um arpão
Dizer da febre sem fé
do animal feroz
dos líquens abertos e dos lírios
Dizer desassossego
sem razão
da raiva silvando no delírio
Dizer do prazer o meu gemido
no quanto é ambígua esta prisão
a deixar-me livre no que sinto
e logo envenenada à tua mão.
Maria Teresa Horta
Dizer da paixão mais do que o sangue
mais do que o fogo
trazido ao coração
Mais do que o golpe furtivo já ardendo
revolvendo na seda
a ponta de um arpão
Dizer da febre sem fé
do animal feroz
dos líquens abertos e dos lírios
Dizer desassossego
sem razão
da raiva silvando no delírio
Dizer do prazer o meu gemido
no quanto é ambígua esta prisão
a deixar-me livre no que sinto
e logo envenenada à tua mão.
Maria Teresa Horta
terça-feira, 27 de outubro de 2009
Poesia
Foi um momento
Foi um momento
O em que pousaste
Sobre o meu braço,
Num movimento
Mais de cansaço
Que pensamento,
A tua mão
E a retiraste.
Senti ou não ?
Não sei. Mas lembro
E sinto ainda
Qualquer memória
Fixa e corpórea
Onde pousaste
A mão que teve
Qualquer sentido
Incompreendido.
Mas tão de leve!...
Tudo isto é nada,
Mas numa estrada
Como é a vida
Há muita coisa Incompreendida...
Sei eu se quando
A tua mão
Senti pousando
‘Sobre o meu braço,
E um pouco, um pouco,
No coração,
Não houve um ritmo
Novo no espaço?
Como se tu,
Sem o querer,
Em mim tocasses
Para dizer
Qualquer mistério,
Súbito e etéreo,
Que nem soubesses
Que tinha ser.
Assim a brisa
Nos ramos diz
Sem o saber
Uma imprecisa
Coisa feliz.
Fernando Pessoa, in "Cancioneiro"
Foi um momento
O em que pousaste
Sobre o meu braço,
Num movimento
Mais de cansaço
Que pensamento,
A tua mão
E a retiraste.
Senti ou não ?
Não sei. Mas lembro
E sinto ainda
Qualquer memória
Fixa e corpórea
Onde pousaste
A mão que teve
Qualquer sentido
Incompreendido.
Mas tão de leve!...
Tudo isto é nada,
Mas numa estrada
Como é a vida
Há muita coisa Incompreendida...
Sei eu se quando
A tua mão
Senti pousando
‘Sobre o meu braço,
E um pouco, um pouco,
No coração,
Não houve um ritmo
Novo no espaço?
Como se tu,
Sem o querer,
Em mim tocasses
Para dizer
Qualquer mistério,
Súbito e etéreo,
Que nem soubesses
Que tinha ser.
Assim a brisa
Nos ramos diz
Sem o saber
Uma imprecisa
Coisa feliz.
Fernando Pessoa, in "Cancioneiro"
segunda-feira, 26 de outubro de 2009
domingo, 25 de outubro de 2009
Conta-mo outra vez
Conta-mo outra vez
Conta-mo outra vez: é tão bonito
que não me canso nunca de escutá-lo.
Repete-me outra vez que o par
do conto foi feliz até à morte.
Que ela não lhe foi infiel, que a ele nem sequer
lhe ocorreu enganá-la. E não te esqueças
de que, apesar do tempo e dos problemas,
continuaram beijando-se cada noite.
Conta-mo mil vezes por favor:
é a história mais bela que conheço.
Amália Bautista
Conta-mo outra vez: é tão bonito
que não me canso nunca de escutá-lo.
Repete-me outra vez que o par
do conto foi feliz até à morte.
Que ela não lhe foi infiel, que a ele nem sequer
lhe ocorreu enganá-la. E não te esqueças
de que, apesar do tempo e dos problemas,
continuaram beijando-se cada noite.
Conta-mo mil vezes por favor:
é a história mais bela que conheço.
Amália Bautista
sábado, 24 de outubro de 2009
sexta-feira, 23 de outubro de 2009
DE QUE FALAMOS?
DE QUE FALAMOS?
De que falamos
quando falamos das palavras
senão do tempo
que corre-escorre
por entre as malhas da voz?
Faladas
as palavras
são um combate encenado
uma insónia pessoal
Escritas são reféns do olhar
No espaço da página
deslizam altivas como icebergues
ou então soçobram
desconhecidamente
no lado sombrio do funesto olvido
Ana Hatherly
De que falamos
quando falamos das palavras
senão do tempo
que corre-escorre
por entre as malhas da voz?
Faladas
as palavras
são um combate encenado
uma insónia pessoal
Escritas são reféns do olhar
No espaço da página
deslizam altivas como icebergues
ou então soçobram
desconhecidamente
no lado sombrio do funesto olvido
Ana Hatherly
quinta-feira, 22 de outubro de 2009
quarta-feira, 21 de outubro de 2009
VERSOS
Incontáveis as armadilhas
as grutas os becos
os desvios do poema
De que a tinta aprisiona
a forma no papel
táctil e ardente
Caligrafia cruel aquela
onde os versos galgam
a volúpia do corpo
E a urdidura da alma
Obsessiva memória
que o tempo despreza
e a mão não acalma.
Maria Teresa Horta
terça-feira, 20 de outubro de 2009
Poesia
Quase
Um pouco mais de sol - eu era brasa,Um pouco mais de azul - eu era além.
Para atingir, faltou-me um golpe de asa...
Se ao menos eu permanecesse aquém...
Assombro ou paz? Em vão... Tudo esvaído
Num grande mar enganador de espuma;
E o grande sonho despertado em bruma,
O grande sonho - ó dor! - quase vivido...
Quase o amor, quase o triunfo e a chama,
Quase o princípio e o fim - quase a expansão...
Mas na minhalma tudo se derrama...
Entanto nada foi só ilusão!
De tudo houve um começo ... e tudo errou...
- Ai a dor de ser - quase, dor sem fim...
Eu falhei-me entre os mais, falhei em mim,
Asa que se elançou mas não voou...
Momentos de alma que desbaratei...
Templos aonde nunca pus um altar...
Rios que perdi sem os levar ao mar...
Ânsias que foram mas que não fixei...
Se me vagueio, encontro só indícios...
Ogivas para o sol - vejo-as cerradas;
E mãos de herói, sem fé, acobardadas,
Puseram grades sobre os precipícios...
Num ímpeto difuso de quebranto,
Tudo encetei e nada possuí...
Hoje, de mim, só resta o desencanto
Das coisas que beijei mas não vivi...
Um pouco mais de sol - e fora brasa,
Um pouco mais de azul - e fora além.
Para atingir faltou-me um golpe de asa...
Se ao menos eu permanecesse aquém...
Listas de som avançam para mim a fustigar-me
Em luz.
Todo a vibrar, quero fugir... Onde acoitar-me?...
Os braços duma cruz
Anseiam-se-me, e eu fujo também ao luar...
Paris, 13-5-1913
In Dispersão (1914)
Mário de Sá Carneiro
segunda-feira, 19 de outubro de 2009
domingo, 18 de outubro de 2009
Tarde de mais...
Quando chegaste enfim, para te ver
Abriu-se a noite em mágico luar;
E para o som de teus passos conhecer
Pôs-se o silêncio, em volta, a escutar...
Chegaste, enfim! Milagre de endoidar!
Viu-se nessa hora o que não pode ser:
Em plena noite, a noite iluminar
E as pedras do caminho florescer!
Beijando a areia de oiro dos desertos
Procurara-te em vão! Braços abertos,
Pés nus, olhos a rir, a boca em flor!
E há cem anos que eu era nova e linda!...
E a minha boca morta grita ainda:
Porque chegaste tarde, ó meu Amor?!...
Florbela Espanca
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