terça-feira, 28 de dezembro de 2010

domingo, 26 de dezembro de 2010

TORMENTA

Que jaz no abismo sob o mar que se ergue?
Nós, Portugal, o poder ser.
Que inquietação do fundo nos soergue?
O desejar poder querer.


Isso, e o mistério de que a noite é o fausto...
Mas súbito, onde o vento ruge,
O relâmpago, farol de Deus, um hausto
Brilha,e o mar scuro struge.  

Fernando Pessoa (1888-1935)

Mensagem
(edição de Fernando Cabral Martins) 


terça-feira, 21 de dezembro de 2010

domingo, 12 de dezembro de 2010

Divaga 
o olhar
a mão que toca o mundo.
Descansa permitindo-se ser
Permeando-se no universo numa intrincada teia de luzes.
Encontrando o tudo e o nada.
Divaga
Procurando agora o sentido
aqui
No Espaço.
Nas quatro dimensões.
O sentido
não o último, mas o que intermedeia a vida e a morte.


Efémeros sentidos
Prazer de ser.
Imensa mistura de terra e céu.
Aqui simplesmente aspiro Ser


Maria Teresa Mota 


quinta-feira, 25 de novembro de 2010

SIM

E se te disser para ficares?
Se te disser que há um mundo que nos espera lá fora?
E que o mundo se reduz aqui e agora?
Se te disser tudo isto
E me disseres que sim,
Podes seguir viagem,
Levar-te.ei-sempre junto a mim.


Margarida Damião Ferreira




 
 

sábado, 20 de novembro de 2010

FILME CURTO

entrelaço as mãos sobre o meu desespero fininho
esfrego o rosto na incerteza do teu amor
roo a unha como se roesse a alma
fico parada

sinto que te perco no meio da feira
és o balão sem fio
sou o choro da criança

Ana Ventura

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

AS IMPENSÁVEIS PORTAS DA ILUSÃO

O que é que leva o meu barco
para esta praia
onde um poder esquivo
se contenta
com a ambígua oferta de palavras?

Estamos aqui no exíguo barco do desejo
exibidos
na frágil singularidade do verbo

Insatisfeitos sempre
aguardamos
que se abram
as impensáveis portas da ilusão


Ana Hatherly


 

terça-feira, 9 de novembro de 2010

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

DESTINO

Não bordo por destino
nem me dobro

Não cedo à mão da vida
nem me encubro

Não cumpro  não aceito
nem me calo

Não amo o que é imposto
Nem me afundo


Maria Teresa Horta



 

sexta-feira, 29 de outubro de 2010

INSTABILIDADE

Depois dos limites da linguagem,
a vertigem torna-se maior.

Mas a instabilidade da poesia
existe apenas
porque o mundo se abrigou em nós.

A terra tornou-se
a evidência da ignorância
e a forma respira nas palavras.

Mares infindos e montanhas altas
procuram a claridade
de ser mais do que pedra e água.


Joel Henriques 


sexta-feira, 22 de outubro de 2010

CUMPLICIDADE

Escuto o vento distante.
É dor que não é sentida.
Mas a brisa refrescante
A roçagar-me atrevida
É como beijo de amante
Atrás da porta da vida.




António Levi De Meireles




quinta-feira, 14 de outubro de 2010

AGARREI O TEMPO

Agarrei o tempo cruzei o medo
         Senti o olhar distante
      Nas ondas esbranquiçadas
             Que se agitam em
          Ritmos bailados à dor
         Sem vontade ou querer.

Agarrei o tempo perdido no silêncio
   Preso na solidão de um olhar vazio
      No despertar de um amanhecer
   Do sonho perdido em cada anoitecer
              De uma lágrima caída
            De um sorriso silenciado.

Agarrei o tempo perdido nos sonhos
   Que o vento arrastou na sua dança
           Sonhos que se perderam
       No desconhecido do infinito.


                   Agarrei o tempo...
                      Sem ter tempo
                   Para mim para ti...
                           Para nós...

                  Agarrei o tempo...
                        Mas perdi-o
              Sem ter tempo para o viver!


Paula Pinto

    



                           
                   

quinta-feira, 7 de outubro de 2010

AMIGO

Se me tens como amigo
Abraça-me hoje contra o teu peito
Hoje sinto-me mendigo
Assim, marioneta sem jeito

Sinto um furacão de solidão
Habitar-me todo inteiro
E um perverso sentimento de desilusão
Me escarnece, tiro certeiro

Se me tens como amigo (ainda que tão só)
Não me lamentes
Acaricia-me e leva-me contigo
Porque eu criarei novas sementes

Assim, de modo terno, mas não me levantes
porque se Deus me concedeu este lamento
Amigo, tu já viste muito antes
Que minha alma só é alma quando há vento.


António Henrique



quinta-feira, 30 de setembro de 2010

SEDE

Suponho ponho
encaminho o espaço
no céu da tua boca
e teu palato


As palavras formadas
na saliva
quando bebo o vinho
em tua face


Faço o novelo
e desfaço a arte
teço com o grito da água
a tua sede


Seco com o linho do cabelo
e passo
ao lado mesmo do nó do teu abraço


Maria Teresa Horta


 

sexta-feira, 24 de setembro de 2010

DESEJO

Desenha-me devagarinho
Quero uma asa grande
Mas a cara de menino
Com um corpo adelgaçado
Rumo indistinto ao seu destino.

Sou carnal, animal solto
No descampado do teu corpo

Que nós já fomos corpo entrelaçado
Num passado que não distingo.
Desenha-me em laivos de ternura,
Na mancha, na pinta, na nódoa, mas contigo

E o resto, que o faça a eternidade.


 António Henrique Figueiredo








domingo, 19 de setembro de 2010

SEM VOZ

Palavras duras?
Amores?
Desejos de palavras reais!
Cânticos de ternura precisam-se
Para embalar a solidão!
Gerações futuras abraçadas!
Saudade silenciosa!
Diz-me que amor existe em ti?
Medo de perder!
O quê?
Pedaços de afectos?
Desculpa!
Apenas peço que lutes
para seres digna de ti, mulher!
Faz-me o favor de ser feliz!


Cidália M. Correia

sexta-feira, 17 de setembro de 2010

APOTEOSE

Mastros quebrados,singro num mar d'Ouro
Dormindo fogo, incerto, longemente...
Tudo se me igualou num sonho rente,
E em metade de mim hoje só moro...

São tristezas de bronze as que inda choro-
Pilastras mortas, mármores ao Poente...
Lajearam-se-me as Ânsias brancamente
Por claustros falsos onde nunca oro...

Desci de Mim. Dobrei o manto d'Astro,
Quebrei a taça de cristal e espanto,
Talhei em sombra o Oiro do meu rastro...

Findei...Horas-platina...Olor-brocado...
Luar-ânsia...Luz-perdão...Orquídeas-pranto...

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-Ó pântanos de Mim- jardim estagnado...



Mário de Sá-Carneiro

Paris1914-junho 28


segunda-feira, 13 de setembro de 2010

A COR DOS DIAS

O dia acorda sempre em cinza,
a própria luz é húmida e quente, o sol coado pelas nuvens ousa,
sabe que não temos ainda força para protestar.

O dia termina sempre num céu azul claro
riscado de vermelho laranja rosa,
num sol de profunda transparência
harmonia tranquila de quem nem precisa ousar,
porque nos deixa sempre
uma imensa vontade
de recomeçar.

Luísa Coelho






 

domingo, 5 de setembro de 2010

quinta-feira, 2 de setembro de 2010

POESIA

Todos me falam de ti
com palavras ambíguas.
Fui, eu sei, uma suspeita
de luz em teu olhar.
Virados a levante,
os meus cabelos
eram labaredas em teus dedos.
Na hora do combate
me nomeavas,
como se rezasses.
Pinto-a na minha imaginação
como a desejo, tanto na beleza
como na nobreza, disseste.
E vejo a minha expressão
na cor dos teus olhos.
Tão cúmplice, eu
de tamanho assombro.


Graça Pires






sexta-feira, 27 de agosto de 2010

quarta-feira, 25 de agosto de 2010

segunda-feira, 23 de agosto de 2010

O BEIJO

Eu ensinava-te a viver,
A olhar, a ouvir,
Ensinava-te a saborear.
Vem,
Senta-te e ouve.
Tenho muito que te dizer.
Toma, vê se gostas.
Este beijo é para ti.

Margarida Damião Ferreira


sábado, 21 de agosto de 2010

sexta-feira, 20 de agosto de 2010

POESIA

Pinto na janela a tormenta
de um mar imaginado.
De costas para a lua
preparo a minha fuga.
Enrolo à volta do corpo
a primeira onda:
a derradeira âncora
para roçar na boca
o lamento verde
das marés.

Graça Pires

sábado, 14 de agosto de 2010

terça-feira, 10 de agosto de 2010

SOMBRA

Deixa-me dizer de mim
novamente
o perfume das tílias a dobar o jardim

A sombra..a janela
e a luz..que desprende
no espelho o luar e depois o jasmim

Deixa que me assombre
e seja para sempre
na carícia dos lábios o aceso carmim

O destino o passado o momento presente
tudo aquilo onde chego
inventando ao que vim


Maria Teresa Horta 


domingo, 8 de agosto de 2010

Canções de sempre

Poema

Ver-nos-emos um dia
náufragos ou cegos
como animais da sombra.
Está escrito.
Na latitude total
da manhã
na aurora trazida pela noite.
Ver-nos-emos na palavra
de instantânea luz
gerada
no resíduo vivo
do amor.
Ver-nos-emos
tu no meu corpo
eu no teu
para celebrarmos
o regresso
da súbita apetência
de vida
que um dia
um anjo nos ofereceu.


Ana Marques Gastâo






sábado, 31 de julho de 2010

MIL DESCULPAS

Sou o riso da mentira
A face da verdade!


Mil desculpas peço,
àqueles que não me entendem!

Mil abraços mando
àqueles que se cruzam
no caminho das palavras!

Mil beijos envio
àqueles que me aceitam,
sem julgar,o meu modo de ser!

Mas, àqueles que me julgam,
me condenam e me querem destruir
mando, de coração aberto,
o amor
pelo qual eu percorro
esta estrada da vida:
o meu destino!

Cidália M. Correia


segunda-feira, 26 de julho de 2010

POEMA

Corria Maio nos pinhais
e nós tínhamos fome e sede
e comíamos rosas
e bebíamos água
e os pássaros nasciam-nos na voz
e sem mistérios
simplesmente nus
descobríamos os gestos deslumbrantes
as melodias encantadas
éramos sol e lua penetrando-nos.


Fátima Pissarra


quinta-feira, 22 de julho de 2010

PAZ

Escreve-me do teu mundo!
Lança sementes da tua essência,
na chuva de um acordar.
Dá ao tempo o prazer
de te acompanhar.
Desejamos a tua presença!
Paz, ouve as preces de uma sonhadora
que neste mar de conflito
sente a tua falta!
E faz chegar a este lugar
de inferno
a tua voz silenciosa!

Paz,
Deus fez-te para embalar a dor
dos que sentem o som da eternidade!


Cidália.M.Correia


domingo, 18 de julho de 2010

SEMENTE

Desdobrei o nome de mãe
e desenhei...SEMENTE.
Mãe é mar e melodia.
Mãe é amor e alegria.
Mãe é essência e coração que
          da Semente gerou fruto!
Ser de essência.
Elo de célula.
Melodia de alegria.
Emoção de vida.
Natal de nascimento.
Templo de amor.
Em profunda sintonia.
           Mãe de amor! 

Cidália M. Correia


 

 

quarta-feira, 14 de julho de 2010

SIMPLES

Simples toques.
Silenciosos,
leves,
soltos,
macios.
Sopros de ternura e
de amor!
Regraço de abraço.
Amor que faço.
Toques sublimes que
me envolvem no infinito
do teu mundo.
Pés descalços
na macieza de um chão.
Singelos toques
da nossa cumplicidade
sem idade,
na simplicidade do amor.


Cidália M. Correia

domingo, 11 de julho de 2010

PALAVRAS PARA TI

Papel sem cor
escrevi amor.

Folha em branco
senhor sem manto.

Palavras soltas
danças loucas.


Tempos de mudança
na força a esperança.


Brinco contigo
no fogo do perigo.


Neste escrever
soltei o meu querer.


Nesta troca de mim
escrevo palavras para ti.




Cidália M. Correia






domingo, 4 de julho de 2010

JASMIM

Jasmim
Cheiro que ri
nos braços do vento.


Enamorado,
embriagado pelo desejo
de sentir o amor.

Sementes que nascem
para a luz
despertando a fragância
de um querer.
Delas acordam
aromas de jasmim.
Apaixonados,
abraçados
no banco de um jardim.

Cidália M.Correia

terça-feira, 29 de junho de 2010

ONDE ME DEITAVA

O caos era onde me deitava
era o caos ordenado por fora e nele me alongava
como se nada.O caos era um ano
de hemisfério dissolvido no avançar pelos meses
à espera do outro hemisfério: alquimia
de duas metades sem dentes  nem recortes.
E a cidade fora a consentir
este mágico desencantar de algum gesto
este meu mundo de dentro encantado
as minhas horas raro urgentes
a alegria violentada pelo vidro.


Wanda Ramos


segunda-feira, 28 de junho de 2010

Obrigada Lili

Que nos continues a brindar com a tua poesia e com a tua amizade, por muitos e muitos anos..

OBRIGADA!

sábado, 26 de junho de 2010

sexta-feira, 25 de junho de 2010

VERDADE

Nas tuas mãos autênticas, tamanhas
Que nelas cabe o mundo! ainda acredito
Que sejam altas, firmes, as montanhas
E puras as nascentes de granito.


O mais só nos enterra e só nos mente.
Que importa  o azul do céu e o azul das águas?
O que procuro é gente
Que sinta o meu amor e as minhas mágoas!


Pedro Homem de Mello 




segunda-feira, 21 de junho de 2010

Na ilha por vezes habitada


Na ilha por vezes habitada do que somos, há noites,
manhãs e madrugadas em que não precisamos de
morrer.
Então sabemos tudo do que foi e será.
O mundo aparece explicado definitivamente e entra
em nós uma grande serenidade, e dizem-se as
palavras que a significam.
Levantamos um punhado de terra e apertamo-la nas
mãos.
Com doçura.
Aí se contém toda a verdade suportável: o contorno, a
vontade e os limites.
Podemos então dizer que somos livres, com a paz e o
sorriso de quem se reconhece e viajou à roda do
mundo infatigável, porque mordeu a alma até aos
ossos dela.
Libertemos devagar a terra onde acontecem milagres
como a água, a pedra e a raiz.
Cada um de nós é por enquanto a vida.
Isso nos baste.

Saramago

(in PROVAVELMENTE ALEGRIA, Editorial CAMINHO, Lisboa, 1985, 3ª Edição)

domingo, 20 de junho de 2010

DE MUITO PERTO

Amar de muito perto, de tão perto um olhar
do outro, nus e cegos, sem tempo, amarras,
desilusões contadas um ao outro. Uma biografia
é um monumento, uma sede sem razão. Frutos escassos
e sem poesia. Palavras, coisas vagamente sujas
ou perdoadas, esvoaçando, devassas.
Dedos de muito perto entrelaçados, húmidos,
armadilhas, questões de astronomia, coisas
vagamente segredadas, voláteis, cheias de azul.


Francisco José Viegas in " Se me comovesse o amor"




 

quarta-feira, 16 de junho de 2010

domingo, 13 de junho de 2010

Prazeres

 
O primeiro olhar da janela de manhã
O velho livro de novo encontrado
Rostos animados
Neve, o mudar das estações
O jornal
O cão
A dialéctica
Tomar duche, nadar
Velha música
Sapatos cómodos
Compreender
Música nova
Escrever, plantar
Viajar, cantar
Ser amável.

Bertold Brecht, in 'Do Pobre B.B.'



 

terça-feira, 8 de junho de 2010

FADO

Acalma a respiração,
Deixa de cavalgar,
Percorre-me, inspira-me,
Sente-me chorar.

Guitarras sem força,
Transbordam aromas
Tristes, em notas cansadas.
Cordas que percorrem teu corpo,
Gritam em desespero rouco.
Cavalgas, percorres-me,
Por curvas difíceis levo-te comigo.
Sem ida, sem volta.
Não tocas o sul nem sabes do norte,
Caminhas perdido,
Amaldiçoas a sorte.


Tocam-me as guitarras,
Choram minhas lágrimas,
Entoam meus medos.
E ouvem-se...
Ouvem-se, longas, sem fim.




Margarida Damião Ferreira





 

quinta-feira, 3 de junho de 2010

POEMA

Ponho nestas memórias
a íntima clandestinidade
dos amantes.
Hei-de dizer o nome
de quantas aves se perderam
por roçarem o vazio da noite
em vagaroso voo.
Hei-de ocultar a cara
próximo de uma fonte,
para colar a boca
ao trilho das chuvas.
Hei-de cercar com águas
nocturnas o lume dos seios.
Depois, sei que vou estremecer de aflição,
quando o ranger das portas se confundir
com o chamamento da tristeza.

Graça Pires 



sábado, 29 de maio de 2010

POEMA

Palavras para a Minha Mãe

 
mãe, tenho pena. esperei sempre que entendesses
as palavras que nunca disse e os gestos que nunca fiz.
sei hoje que apenas esperei, mãe, e esperar não é suficiente.

pelas palavras que nunca disse, pelos gestos que me pediste
tanto e eu nunca fui capaz de fazer, quero pedir-te
desculpa, mãe, e sei que pedir desculpa não é suficiente.

às vezes, quero dizer-te tantas coisas que não consigo,
a fotografia em que estou ao teu colo é a fotografia
mais bonita que tenho, gosto de quando estás feliz.

lê isto: mãe, amo-te.

eu sei e tu sabes que poderei sempre fingir que não
escrevi estas palavras, sim, mãe, hei-de fingir que
não escrevi estas palavras, e tu hás-de fingir que não
as leste, somos assim, mãe, mas eu sei e tu sabes.

José Luís Peixoto, in "A Casa, a Escuridão"







quinta-feira, 27 de maio de 2010

POEMA

 é a visita do tempo nos teus olhos,
é o beijo do mundo nas palavras
por onde passa o rio do teu nome;
é a secreta distância em que tocas
o princípio leve dos meus versos;
é o amor debruçado no silêncio
que te cerca e que te esconde:
como num bosque, lento, ouvimos
o coração de uma fonte não sei onde...

Vítor Matos e Sá, in 'Esparsos'




 

segunda-feira, 24 de maio de 2010

15

ao entardecer
desta amargura
apanhei
quinze barcos
para longe
de todos os tempos
e só ficou foi a névoa
de querer abrir-me
em beijos
e sussurrar
ao mar
e ao teu peito
que nada me separa
do desejo
de te viver.


Ana Ventura


quarta-feira, 19 de maio de 2010

POEMA

As portas que batem
nas casas que esperam.
Os olhos que passam
sem verem quem está.
O talvez um dia 
Aos que desesperam.
O seguir em frente.
O não se me dá.

O fechar os olhos
a quem nos olhou.
O não querer ouvir
quem nos quer dizer.
O não reparar
que nada ficou.
Seguir sempre em frente
E nem perceber.


Maria Judite de Carvalho


 





quinta-feira, 13 de maio de 2010

AMOR

Dois  mil cigarros.
E uma centena de milhas
de parede a parede.
Uma eternidade e meia de vigílias
mais brancas do que a neve.


Toneladas de palavras
velhas como pegadas
de um ornitorrinco na areia.


Uma centena de livros que ficaram por escrever.
Uma centena de pirâmides que ficaram por construir.


Lixo.
Pó.


Amargo
como o princípio do mundo.


Acredita em mim quando digo 
que foi belo.


Miroslav Holub



 





segunda-feira, 10 de maio de 2010

POR UM POETA

Ninguém se apaixona por um poeta
Porque um poeta não é constante
De mil coisas se veste,
Ainda que um dia cante
No outro é triste lamento
É lágrima seca p'lo vento


Ninguém se apaixona por um poeta
porque ele ama a natureza
E entristece com a certeza
Que a vida é toda incerteza!


Ninguém se apaixona por um poeta
Porque ninguém, não é pessoa!...


António Henrique Figueiredo


quinta-feira, 6 de maio de 2010

AI QUEM ME DERA

Ai, quem me dera terminasse a espera
Retornasse o canto simples e sem fim
E ouvindo o canto se chorasse tanto
Que do mundo o pranto se estancasse enfim

Ai, quem me dera ver morrer a fera
Ver nascer o anjo, ver brotar a flor
Ai, quem me dera uma manhã feliz
Ai, quem me dera uma estação de amor

Ah, se as pessoas se tornassem boas
E cantassem loas e tivessem paz
E pelas ruas se abraçassem nuas
E duas a duas fossem ser casais

Ai, quem me dera ao som de madrigais
Ver todo mundo para sempre afim
E a liberdade nunca ser demais
E não haver mais solidão ruim

Ai, quem me dera ouvir o nunca-mais
Dizer que a vida vai ser sempre assim
E, finda a espera, ouvir na Primavera
Alguém chamar por mim


Vinicius de Moraes

De Livro de letras





domingo, 2 de maio de 2010

AS PALAVRAS DIRIGEM-SE UMAS ÀS OUTRAS

As palavras dirigem-se umas às outras:
dormentes nos dias cinzentos
acordam nos sonhos
mas acordam-nos dos sonhos
salvadoras-matadoras
roedoras de raízes

O seu  alcance é
a vastidão erma do sentido

À flor do rio do olvido
o seu brilho
flutua fugaz no corpo da grafia


Ana Hatherly





 

domingo, 25 de abril de 2010

MEU AMOR QUE EU NÂO SEI

Meu amor que eu não sei. Amor que eu canto. Amor que eu digo.
Teus braços são a flor do aloendro.
Meu amor por quem parto. Por quem fico. Por quem vivo.
Teus olhos são da cor do sofrimento.

Amor-país.
Quero cantar-te. Como quem diz:

O nosso amor é sangue. É seiva. E sol. E primavera.
Amor intenso. Amor imenso. Amor instante.
O nosso amor é uma arma. E uma espera.
O nosso amor é um cavalo alucinante.

O nosso amor é um pássaro voando. Mas à toa.
Rasgando o céu azul-coragem de Lisboa,
Amor partindo. Amor sorrindo. Amor doendo.
O nosso amor é como a flor do aloendro.

Deixa-me soltar estas palavras amarradas
Para escrever com sangue o nome que inventei.
Romper. Ganhar a voz duma assentada.
Dizer de ti as coisas que eu não sei.
Amor. Amor. Amor. Amor de tudo ou nada.
Amor-verdade. Amor-cidade.
Amor-combate. Amor-abril.
Este amor de liberdade.


In "Amor Combate"

Joaquim Pessoa