quarta-feira, 29 de junho de 2011

Mãos

A ternura são as mãos.
Não são o canto que exalta
nem a palavra que grita.
São as mãos.

São as mãos que fazem 
falta
Não as do ódio que mata :
as da fé que ressuscita.


As que, mudas, se
procuram
na velha sombra da
escada,
no esquivo canto do muro,
livres como a madrugada,
sabendo que é o futuro
que as alimenta - e mais nada.


Sim, são as mãos a ternura
possível neste deserto
que salta, muito concreto,
do rosto da multidão.


Sim são as mãos a ternura.
Sim, meu amor, a ternura,
a ternura
são as tuas mãos!


António Luís Moita

CIDADE SEM TEMPO
        Do Amor
        Da Morte
Das Pequenas Coisas
        Poemas 


 





terça-feira, 21 de junho de 2011

Prece

Digo o teu nome
                      baixo
                      repetido

como quem diz a prece
condenada
perante um deus maligno e antigo    


                        vingativo
                        violento
                        viciado


Digo


                         murmurado um castiçal


                         de prata e de areia cinzelado


é o teu nome
castiçal sagrado
que acendo  reacendo e não apago




MariaTeresa Horta
    Candelabro-Maio de 1972




quarta-feira, 15 de junho de 2011

Como se de repente ao coração do sol

Como se de repente ao coração do sol
as raízes da luz alguém as arrancasse...
Como se de repente as hélices do vento
arranhassem o ar, e o Mar estivesse perto...
Como se de repente o Mundo entontecesse...

Foi tudo de repente e tudo ao mesmo tempo:
escuridão, rumor, frescura, movimento.

Mas de entre as espirais confusas quem sabia
se era de novo amor, se era só melodia?

David Mourão-Ferreira


quarta-feira, 8 de junho de 2011

Calabouço

Dou laços 
com os meus braços
em redor do teu pescoço

Desato aquilo que faço
dou um nó no fundo poço
no modo como te enlaço

De bruços desfaço
o espaço
no torpor que solto e ouço

Traço com a boca e trespasso
o coração que doendo
se torna meu calabouço

Maria Teresa Horta