sábado, 1 de setembro de 2012



Vim
romper fronteiras da memória, do sonho,
encontrar o imbomdeiro, o sabor das mangas,
do corpo solto no calor,
do som do vento nas palmeiras,
das flores garridas das buganvílias.
Cruzei-me com coloridas personagens.

A voz surge do nada
"não és de lugar nenhum" .
            Do meu lugar humano observo, o céu do hemisfério sul.
            Do meu lugar uma prece.

Rompi as fronteiras da memória,
Acomodei os sonhos,
caminho livre em direcção do vento,
Na pele inscrito o sol e o que não sei falar
Uma espécie de nudez me percorre.

Maria Teresa Mota





sexta-feira, 3 de agosto de 2012

POESIA

Mãos que se tocam
e se encontram
numa cidade que não é minha.
Encontro-te no toque.
Pressinto-te.
A noite apresenta-se com rosas e roxos.
É a hora ambígua das almas em comunhão.
E passeio-me em ti, como na minha cidade
que desconheço onde é.


Perco-me
Não conheço a tua geografia, apenas a intuo.
É uma viagem infinita, nos caminhos do outro.
Não tem nortes ou suis
apenas pontes que atravesso.


Nos sons de Bach
Reconheço-te.




Maria Teresa Mota







terça-feira, 24 de julho de 2012

PERFILADOS DE MEDO

Perfilados de medo, agradecemos
o medo que nos salva da loucura
Decisão e coragem valem menos
e a vida sem viver é mais segura.


Aventureiros já sem aventura,
perfilados de medo combatemos
irónicos fantasmas à procura
do que não fomos, do que não seremos.


Perfilados de medo, sem mais voz,
o coração nos dentes oprimido.
os loucos, os fantasmas somos nós.


Rebanho pelo medo perseguido,
já vivemos tão juntos e tão sós
que da vida perdemos o sentido...


Alexandre O'Neill





quarta-feira, 25 de abril de 2012

sexta-feira, 20 de abril de 2012

RETÓRICA

Retórica,verdadeira demagogia
Porque precisamos de doces palavras que nos fazem esquecer o
amargo de boca das mentiras que proliferamos?
Palavras ocas, vazias e tão sublimes
Eis o prazer da vida
Encarada como é, mas nunca confrontada
Só as palavras a expressam
Espelham o que nos falta
Aguçam-nos as ausências
De que peça de teatro vivemos?
Interpretamos ou apenas nos deixamos interpretar no tímido convívio
Conversas vãs...


Sara Almeida Santos





quarta-feira, 21 de março de 2012

O POETA

A mão do poeta
Desenha-me o pensamento,
Inventa-me,transforma-me,
Cria-me num encantamento.
Imagina-me transparente
Sem corpo de desejo,
Que até eu próprio me sentindo
Não me vejo...


António Henrique





sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

Zeca Afonso sempre



No 25º aniversário do seu «dobrar a curva da estrada»

Desta canção que apeteço
À espera do Maio ido
Chega-me agora um trinado
Do outro lado do rio

Quisera ser rio ou ave 
Cair no chão que estremeço
Para cantar à vontade
Esta canção que apeteço

Esta canção a meu gosto
Vinda pela madrugada
Sai da garganta da gente
Aos magotes pela estrada


  Escrito na prisão de Caxias




 




segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

DE UMA SÓ VEZ

Então deixa-me fugir contigo.
Deixa-me largar as pedras, abandonar as ruas,
Empurrar o chão e subir às nuvens.
Soltar amarras, correntes e pendentes
Ir contigo para o preenchido vazio.

Deixa-me entrar nesse colorido,
Ser o centro do vermelho garrido
Do longe, do vasto, do desejo
Respirado, finalmente desejado.

Então deixa-me entrar nessa vida contigo,
Sair desta e ver que o mundo
Se renova cada dia.

Margarida Damião Ferreira





quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

ESTILHAÇOS



Estilhaços de vidro
Alguma coisa se partiu
Quebrou-se em milésimas
Partes infinitas e foscas
Tão pequenas
Jamais se dirá o que um dia foi
Permanece no chão
Coberto com uma longa teia
Brilham à medida que a luz trespassa
O que se terá desfeito?
Não há nada a limpar
Não é possível juntar todos os fragmentos
Estilhaços. . .


Sara Almeida Santos






sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

SONETO QUASE INÉDITO

Surge Janeiro frio
e pardacento,
Descem da serra os lobos
ao povoado;
Assentam-se os fantoches
em São Bento
E o Decreto da fome
é publicado.


Edita-se a novela do
Orçamento;
Cresce a miséria ao
povo amordaçado;
Mas os biltres do
novo parlamento
Usufruem seis contos de ordenado.


E enquanto à fome o
povo se estiola,
Certo santo pupilo de Loyola,
mistura de judeu e de vilão,
Também faz o pequeno " sacrifício "
De trinta contos - só!
- por seu ofício
Receber, a bem dele...
E da nação...


José Régio
Soneto escrito em 1969

 


















" José Régio e o seu burro " - por Hermínio Felizardo

segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

FRUTOS VERMELHOS

A imensidão da cor espalha-se
Mistura-se na saliva dos desejos
Perde-se no centro da terra
Renova-se a cada beijo
Desvanece-se num só gemido
O prazer do púrpuro
O cheiro dos frutos
Sim, são vermelhos,
Sim, são meus
Encantos e desencantos,
Enquanto sonhas e enquanto te perdes
Suspiros no vazio...
Silêncio que não existe
Evades-te e de novo te reencontras
Nunca em ti, sempre em mim
Eis-te aqui
A preencher os contornos do todo


Sara Almeida Santos


quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

PIED-DE-NEZ

Lá anda a minha Dor às cambalhotas
No salão de vermelho atapetado-
Meu cetim de ternura engordurado,
Rendas da minha ânsia todas rotas.

O Erro sempre a rir-me em destrambelho-
Falso mistério, mas que não se abrange...
De antigo armário que agoirento range,
Minha alma actual o esverdinhado espelho...

Chora em mim um palhaço às piruetas;
O meu castelo em Espanha, ei-lo vendido-
E, entretanto, foram de violetas,

Deram-me beijos sem os ter pedido...
Mas como sempre, ao fim - bandeiras pretas,
Tômbolas falsas,carrossel partido...




Mário de Sá-Carneiro