terça-feira, 29 de junho de 2010

ONDE ME DEITAVA

O caos era onde me deitava
era o caos ordenado por fora e nele me alongava
como se nada.O caos era um ano
de hemisfério dissolvido no avançar pelos meses
à espera do outro hemisfério: alquimia
de duas metades sem dentes  nem recortes.
E a cidade fora a consentir
este mágico desencantar de algum gesto
este meu mundo de dentro encantado
as minhas horas raro urgentes
a alegria violentada pelo vidro.


Wanda Ramos


segunda-feira, 28 de junho de 2010

Obrigada Lili

Que nos continues a brindar com a tua poesia e com a tua amizade, por muitos e muitos anos..

OBRIGADA!

sábado, 26 de junho de 2010

sexta-feira, 25 de junho de 2010

VERDADE

Nas tuas mãos autênticas, tamanhas
Que nelas cabe o mundo! ainda acredito
Que sejam altas, firmes, as montanhas
E puras as nascentes de granito.


O mais só nos enterra e só nos mente.
Que importa  o azul do céu e o azul das águas?
O que procuro é gente
Que sinta o meu amor e as minhas mágoas!


Pedro Homem de Mello 




segunda-feira, 21 de junho de 2010

Na ilha por vezes habitada


Na ilha por vezes habitada do que somos, há noites,
manhãs e madrugadas em que não precisamos de
morrer.
Então sabemos tudo do que foi e será.
O mundo aparece explicado definitivamente e entra
em nós uma grande serenidade, e dizem-se as
palavras que a significam.
Levantamos um punhado de terra e apertamo-la nas
mãos.
Com doçura.
Aí se contém toda a verdade suportável: o contorno, a
vontade e os limites.
Podemos então dizer que somos livres, com a paz e o
sorriso de quem se reconhece e viajou à roda do
mundo infatigável, porque mordeu a alma até aos
ossos dela.
Libertemos devagar a terra onde acontecem milagres
como a água, a pedra e a raiz.
Cada um de nós é por enquanto a vida.
Isso nos baste.

Saramago

(in PROVAVELMENTE ALEGRIA, Editorial CAMINHO, Lisboa, 1985, 3ª Edição)

domingo, 20 de junho de 2010

DE MUITO PERTO

Amar de muito perto, de tão perto um olhar
do outro, nus e cegos, sem tempo, amarras,
desilusões contadas um ao outro. Uma biografia
é um monumento, uma sede sem razão. Frutos escassos
e sem poesia. Palavras, coisas vagamente sujas
ou perdoadas, esvoaçando, devassas.
Dedos de muito perto entrelaçados, húmidos,
armadilhas, questões de astronomia, coisas
vagamente segredadas, voláteis, cheias de azul.


Francisco José Viegas in " Se me comovesse o amor"




 

quarta-feira, 16 de junho de 2010

domingo, 13 de junho de 2010

Prazeres

 
O primeiro olhar da janela de manhã
O velho livro de novo encontrado
Rostos animados
Neve, o mudar das estações
O jornal
O cão
A dialéctica
Tomar duche, nadar
Velha música
Sapatos cómodos
Compreender
Música nova
Escrever, plantar
Viajar, cantar
Ser amável.

Bertold Brecht, in 'Do Pobre B.B.'



 

terça-feira, 8 de junho de 2010

FADO

Acalma a respiração,
Deixa de cavalgar,
Percorre-me, inspira-me,
Sente-me chorar.

Guitarras sem força,
Transbordam aromas
Tristes, em notas cansadas.
Cordas que percorrem teu corpo,
Gritam em desespero rouco.
Cavalgas, percorres-me,
Por curvas difíceis levo-te comigo.
Sem ida, sem volta.
Não tocas o sul nem sabes do norte,
Caminhas perdido,
Amaldiçoas a sorte.


Tocam-me as guitarras,
Choram minhas lágrimas,
Entoam meus medos.
E ouvem-se...
Ouvem-se, longas, sem fim.




Margarida Damião Ferreira





 

quinta-feira, 3 de junho de 2010

POEMA

Ponho nestas memórias
a íntima clandestinidade
dos amantes.
Hei-de dizer o nome
de quantas aves se perderam
por roçarem o vazio da noite
em vagaroso voo.
Hei-de ocultar a cara
próximo de uma fonte,
para colar a boca
ao trilho das chuvas.
Hei-de cercar com águas
nocturnas o lume dos seios.
Depois, sei que vou estremecer de aflição,
quando o ranger das portas se confundir
com o chamamento da tristeza.

Graça Pires